Bruscão x Timão, o jogo que mexe com a cultura da região

Acho que era ano 2000, por aí. Eu fui a Chapecó transmitir um Brusque x Chapecoense do Estadual. O primeiro tempo foi horrível, tinha torcedor dormindo. No intervalo, aconteceu um Gre-Nal de crianças. Deu briga na arquibancada. Em outro ida ao Oeste, fui fazer um lanche lá no Bar do Boca. De repente, passam colorados puxando gremistas em uma carroça em plena Avenida Getúlio Vargas.

Isso faz parte do passado por lá. A Chape é a dona da cidade. Aqui em Brusque isso ainda é muito presente.

O jogo Brusque x Corinthians mexe muito com o espírito do segundo time, ou "misto", como torcedores de cidades com futebol estabilizado, como Criciúma, Joinville e Floripa, falam. Isso tem explicação.

Eu passei por isso.

Camisa de torcedor para o jogo (foto: Facebook)
A região do Vale foi "catequizada" por emissoras de rádio de fora, que entravam no AM com som local no período da noite. Além do mais, por causa do relevo, cerca de duas em cada três residências tem antena parabólica, o que os tira do circuito das emissoras abertas locais que, no caso de Brusque, não davam bola alguma para cá. Acho que minha profissão veio disso. Eu tinha nove ou dez anos, e em dado momento tinha dificuldade para dormir. Meu pai, vascaíno que carrega a maior decepção em ter deixado seu filho virar flamenguista, me ensinou, com um rádio nove faixas que eu ganhei na minha primeira comunhão, a sintonizar a Globo e a Tupi, com seus noticiários esportivos noturnos. Mais tarde descobri a Rádio Gaúcha, com os debates da madrugada do recém-falecido Jayme Copstein. Me ajudava a relaxar e dormir. Sim, enquanto muitos ouvem música para relaxar, eu ouço notícia.

O Brusque foi campeão catarinense em 1992, mas acumulou uma série de acessos e descensos desde então. Resultados expressivos em nível nacional, nenhum. E assim cresceu a torcida, sempre com um time grande acompanhado do local para os mais velhos. Quando o sistema de som do Estádio Augusto Bauer anuncia um gol no Carioca ou no Paulista, é uma festa. Aqui tem Fla-Brusque, Vasco-Brusque, Fiel-Brusque, consulado do Inter. Teve até um encontro gigante de palmeirenses. Temos que compreender, essa é a realidade. Até o Bruscão conquistar resultados bons, como os títulos nacionais de Avaí, JEC e Criciúma ou acessos para, no mínimo, a Série C, será assim. Some-se aí o fato do Brusque ser um clube comandado por um grupo de abnegados que não conta com apoio das entidades empresariais da cidade, e nem tem um departamento eficiente de comunicação e marketing, por falta de dinheiro. O clube não tem plano de sócio: tentou criar um ano passado que foi um fracasso. A Kanxa, fornecedora de material (para um clube de uma cidade têxtil, que poderia fabricar aqui), demorou quase dois meses pra entregar camisas para venda. Não é fácil.

Quis o destino que o Brusque herdasse da Chapecoense uma vaga na Copa do Brasil e enfrentasse um dos maiores clubes do país, em casa, para aflorar esse sentimento duplo do torcedor. O Corinthians pediu, e todos os ingressos de visitante foram para São Paulo. Os alvinegros da região tiveram que comprar ingresso no espaço do Brusque. Pode dar confusão, ou não. Lado a lado estarão moradores da mesma cidade que estarão em uma situação diferente. Se fosse Flamengo, Vasco, Palmeiras, Inter ou Grêmio seria igual. Mudariam apenas as pessoas. O Brusque, que leva seus 2 ou 3 mil torcedores por jogo, não atrai a atenção de toda a cidade, que tem 120 mil habitantes. O Corinthians, com todo o seu poder midiático que chega em doses cavalares pela TV, tem muitos fãs. Sendo que grande parte nunca viu um jogo dele ao vivo.

O jogo desta quarta será um divisor de águas. É o primeiro jogo do Brusque em rede nacional. Será o maior acontecimento esportivo dessa cidade depois da final do Estadual de 1992, onde Claudio Freitas fez aquele gol antológico contra o Avaí. Aparece uma oportunidade do clube capitalizar mais torcedores e chegar próximo de onde os cinco grandes do Estado chegaram.

O resultado do jogo em si é o de menos. O Corinthians é favorito, apesar do Brusque ter estabelecido uma boa sequência, culminando com um 3 a 0 em Lages no sábado de carnaval. Será um jogo para contar para os netos.

E que tenhamos uma noite tranquila.


Comentários

  1. Parabéns pelo belíssimo texto! Quanto ao locutor anunciar os gols de RJ e SP, nos anos 90 era exatamente igual na Ressacada... aquilo me incomodava muito.
    Mas um dia isso vai mudar.

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  2. Belo texto, Rodrigo.

    É muito difícil superar essa barreira... Mesmo em Criciúma e Joinville, os mistos ainda são maioria. Talvez só Floripa tenha torcedores mais exclusivos.

    Eu já fui misto, mas há uns anos pensei melhor sobre o assunto e vi que o time da cidade tem um poder muito forte de unir as pessoas, melhorar a auto-estima e criar aquela sensação de identificação. Mesmo morando na capital, tenho orgulho de dizer que sou CA Tubarão, time que vi nascer na terceirona de 2005. Já o time de fora é só uma marca... É comprar a identidade do outro.

    Torço muito pelo sucesso do Brusque e espero que Tubarão também consiga subir esse nível, o que quase aconteceu no auge do Tubarão FC entre 96 e 2003, tempos que trazem minhas melhores recordações futebolísticas.

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